Automutilação: necessidade de chamar atenção?
- Nadya Rodrigues Gomes Café
- 2 de mar. de 2024
- 4 min de leitura

Hora a hora, minuto a minuto, segundo a segundo
Ninguém sabe pelo que estou a passar
Ninguém sabe o que eu estou pensando
Mas então, quem sou eu, para estar a pensar
Cortar, sangrar, esperar, respirar e voltar
São estes meus preciosos passos, para acalmar
Fingindo sorrisos para não preocupar
Sempre com desejo, de nunca mais voltar a despertar
Autora da poesia: Cris
Nos últimos anos, alguns indícios apontam para uma manifestação coletiva de comportamentos ligados a autolesão, mais popularmente conhecida como automutilação. Este tema ronda pelas redes sociais, nos ciclos de adolescentes, nas escolas, no círculo acadêmico-científico e nas políticas públicas de saúde.
Segundo o Ministério da Saúde, em 2016, o Brasil registrou 11.433 mortes por suicídio, o equivalente a 31 casos por dia. Esse número pode ainda ser maior, uma vez que não foram contabilizados os subregistros. Além disso, há os casos de morte não determinada, casos provenientes de tentativas de suicídio que levaram a morte ou a acidente. Em 2017, foram notificados 13.443 casos. E esses dados, infelizmente, tem aumentado a cada ano.
E qual é a relação da automutilação e o suicídio? São fenômenos complexos resultantes de fatores ambientais, psicológicos, biológicos e sociais. Ambos são comportamentos autolesivos, porém os principais fatores de distinção entre eles são a intencionalidade e os fatores de riscos gerados pelo comportamento provocado.
Resumidamente, no suicídio há a intenção de morrer enquanto na automutilação não há. A automutilação pode acontecer sem a ideação suicida. A autolesão compreende-se o comportamento como o ato de se ferir, sem intenção suicida, e não aprovado socialmente dentro da própria cultura, nem mesmo para exibição (GIUSTI, 2013; ISSS, 2017; MUEHLENKANMP et al 2013; WHITLOCK; LLOY-RICHARDSON,2019).
Para Campell (2009), a automutilação é o ato de deformar ou maltratar a si mesmo, com a motivação de aliviar sentimentos. Alguns atos autolesivos são aceitos socialmente são eles: o uso do piercing, a tatuagem, o uso de brinco e lesões realizadas em atos religiosos e manifestações culturais.
A automutilação sem intenção suicida manifesta-se com mais frequência durante a adolescência, porém pode persistir até a vida adulta. Caracteriza-se por atos repetitivos em um único ou mais episódios de comportamentos autolesivos realizados de forma intencional, ou seja, não provocada por acidentes ou de modo inconsciente, mas sem a intenção de morte.
O fator que leva alguém a se automutilar não é sabido, contudo pode ocorrer após situações de não aceitação ou episódios de não aprovação social. Também pode advir como uma forma de resolver dificuldades interpessoais ou até mesmo uma maneira de pedir ajuda. Alguns exemplos são perfurações, arranhões, contusões, cortes, queimaduras, etc.
Não se trata de um comportamento para chamar a atenção, mas sim, de uma manifestação na busca de comunicar de modo externo o sofrimento que se sente internamente. Muitas vezes, esse comportamento é alimentando por pensamentos autolesivos e/ou ideação suicida.
A gravidade do ato pode variar. Ela é caracterizada pela gravidade das lesões: leve, moderada ou grave. Pode atingir todas as classes sociais, idades, etnias e gêneros. A automutilação é um sintoma que não deve ser ignorado, pois pode estar associado a outro transtorno, distúrbio ou síndrome.
No Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) a automutilação é uma entidade diagnóstica à parte e é critério de diagnóstico para outros transtornos. Em alguns quadros psiquiátricos é comum a manifestação da automutilação. Entre eles destacam-se a depressão, o transtorno de personalidade boderline (TPB), a personalidade antissocial, a síndrome do pânico, a bipolaridade, a ansiedade, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), a esquizofrenia, o transtorno do espectro autista (TEA), transtornos alimentares e a dependência química.
Outros eventos que podem desencadear a automutilação são: bullying; abuso sexual, físico ou psíquico; luto; dificuldades quanto a orientação sexual, entre outros. Não necessariamente haverá um transtorno psíquico, mas a tristeza, baixa autoestima, estresse, raiva e a culpa estão envolvidos na maioria dos casos.
Alguns sinais podem ajudar a identificar episódios de automutilação. Os mais comuns são:
cicatrizes e hematomas sem explicação lógica;
isolamento social frequente;
comportamentos impulsivos;
feridas que não cicatrizam;
couro cabeludo com falhas;
uso contínuo de mangas longas e calças, mesmo em dias quentes, e
instabilidade emocional.
Ao identificar alguns desses sinais tenha uma atitude acolhedora. Encoraje a pessoa a reconhecer emoções, pensamentos e comportamentos que possam alertar a necessidade de ajuda. E procure um médico ou psicólogo.
O tratamento deve ser feito por um psiquiatra e psicoterapeuta. Os profissionais de saúde saberão conduzir o processo para o tratamento adequado e auxiliarão na busca do autoconhecimento e da autorregulação emocional.
Autora: NADYA RODRIGUES GOMES CAFÉ, CRP-01/13784, é Psicóloga clínica e organizacional. Palestrante, facilitadora de grupos, conteudista e tutora de cursos a distância e presencial. Especialista em Psicologia Clínica em Gestalt Terapia, Especialista em Gestão de Pessoas e Especialista em Gestão Pública. Possui formação em Eye Movement Dessensitization and Reprocessing (EMDR), Barras de Access, Terapia Cognitivo Comportamental e Certificação Internacional na Metodologia de Aprendizagem Experiencial Avançada. Certificação em Educação Financeira. Master Coach Ontológica e Master Coach Business.
Referências Bibliográficas:
American Psychiatric Association (2014). DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed.
Chaves, G. (2018). Adolescência e autolesão: Psicodiagnóstico como proposta de compreensão e intervenção a partir de um caso clínico. (Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo).
Fortes, I., & Kother, M. (2017). Automutilação na adolescência – rasuras na experiência de alteridade. Psicogente, 20(38), 353-367. doi: 10.17081/psico.20.38.2556
Quesada, Andreia A. et al (2020). Cartilha para prevenção da automutilação e do suicídio orientações para educadores e profissionais de saúde. Fortaleza Fundação Demócrito Rocha.




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